É tão comum uma pessoa não saber usar a crase – aquele acento ao contrário em cima do a – que fica parecendo que ela é um bicho de sete cabeças, algo do outro mundo. Uma boa notícia: na verdade, é só aprender uma regrinha bem simples, e seus problemas acabarão! Claro que, como sempre, na gramática, tem aquelas exceções à regra, e daí o único jeito, mesmo, é decorar. É da regra geral e desses “casos especiais” que vamos falar hoje, assim como um "tira-teimas” que você pode aplicar quando, mesmo tendo aprendido a regra, surgir uma dúvida.
Falando de maneira resumida e geral, a regra é a seguinte:
Haverá crase quando a preposição a, exigida pela regência de um verbo ou nome (substantivo, adjetivo ou advérbio) se fundir com:
• Artigo feminino definido a(s)
Ex.: Ele estava resistindo bem às (a preposição + artigo as) pressões do técnico e dos outros jogadores.
• Pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo
Ex.: Por favor, encaminhe-se àquele (a preposição + aquele) balcão.
• Pronome demonstrativo a(s)
Ex.: Nossos jogadores estão em condições semelhantes às (a preposição + as pronome demonstrativo, retomando condições) dos argentinos.
Mas vamos por partes, para entender melhor o que é a crase. Bom, em morfologia, a palavrinha "a" pode ser algumas coisas diferentes. Ela pode ser um artigo definido feminino
ou uma preposição
As preposições são aquelas chamadas palavras relacionais; elas ligam duas outras palavras entre si, estabelecendo entre elas uma relação em que uma completa o sentido da outra. As principais são ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás e, é claro, o a, que é quem nos interessa agora.
Até aqui tudo bem? Pois bem, o acento grave em cima do a, ou seja, a crase, é uma marca, na língua escrita, da fusão fonética (de som) desses dois As diferentes. Isso mesmo: a + a = à. E quando essa fusão acontece? Bom, se o a com crase é a fusão de um artigo e de uma preposição, ele só pode surgir antes de uma palavra que seja preposicionada, e possa ser preposicionada pelo A, especificamente, e que seja feminina e definida. Certo? Por isso, não vai haver crase antes de uma palavra masculina ou de uma palavra que tenha um artigo indefinido antes de si.
Quais são, então, os casos em que não ocorre crase? Vejamos:
• Antes de um substantivo masculino:
Ex.: Entreguei um presente a André: o “a” não vai ter crase, pois "André" é substantivo masculino;
• Antes de um verbo:
Ex.: Ele aprendeu a ler e a escrever com cinco anos: os “a" não terão crase, pois estão antepostos a verbos;
• Antes do artigo indefinido uma, numerais e pronomes pessoais, indefinidos, demonstrativos e relativos (que não admitem o artigo a):
Ex.1: Nas férias, fui a uma praia.
Ex.2: Na virada do ano, fui a três festas diferentes.
Ex.3: Entreguei a carta a ela.
Ex.4: Não devo satisfações a ninguém.
Ex.5: Não tenho opinião formada em relação a estas coisas.
• Entre substantivos repetidos (cara a cara, dia a dia, face a face, gota a gota);
• Antes de palavras no plural não precedidas de artigo, com sentido genérico:
Ex.: Não costumo ir a festas.
Vejamos agora as regrinhas especiais no que tange a utilização da crase:
Há momentos em que o uso da crase é facultativo. Isso quer dizer que a crase é aceita, mas não necessária, segundo a norma culta. São eles:
• Antes de nomes próprios femininos:
Ex.: Entregou a carta à Maria OU a Maria.
• Diante de pronomes possessivos femininos:
Ex.: Vou voltar à minha casa OU a minha casa.
• Na locução prepositiva até a:
Ex.: Eles me levaram até à porta OU até a porta.
Para fechar, vamos passar pelos chamados casos especiais. Esta é a parte que requer atenção, e, às vezes, um pouquinho de decoreba...
Há crase:
• Em locuções adverbiais e prepositivas formadas por substantivos femininos, como às vezes, às pressas, às claras, à toa, à custa de, à esquerda, à direita, às avessas, à noite, às x horas. No entanto, não ocorre crase nas locuções adverbiais que indicam instrumento, como escrever a mão ou a máquina, cortar a faca, e assim por diante.
• Antes de nomes de lugares que sejam determinados pelo artigo:
Ex.: O papa regressou à Itália.
• Nas expressões proporcionais à medida que, à proporção que.
• Antes da palavra casa, se ela for determinada:
Ex.: Viajamos à casa de praia semana passada.
Quando casa indicar residência, lar, a crase não é utilizada, pois nesse caso casa não admite artigo:
Ex.: Vou para casa depois da aula.
• Antes da palavra Terra:
Ex.: O satélite voltou à Terra.
Quando terra se opõe a bordo, no entanto, não admite artigo, por isso não haverá crase:
Ex.: Após desembarcarem, os marinheiros desceram a terra.
• Quando está subentendida a expressão à moda de, à maneira de:
Ex.: Ele usava um chapéu à Napoleão.
• Quando estão subentendidas palavras como faculdade, empresa, universidade, companhia, mesmo que seja diante de palavras masculinas:
Ex.: Dirigi-me à USP.
Para terminar, aqui vai um tira-teima, em caso de haver dúvida:
Trocar o substantivo masculino por um feminino.
No caso de "Vou __ praia", por exemplo, caso houver dúvida sobre se esse “a" seria ou não craseado, uma opção é trocar praia, por uma palavra masculina, como sítio. Ficaria "Vou ao sítio", certo? Isso significa que a preposição a está lá, é necessária, então o a de "Vou __ praia" é craseado. No caso, por exemplo, de "Abri __ porta", trocando porta por baú, ficaríamos com "Abri o baú". Logo, esse a antes de porta não recebe crase.
Nem sempre, no entanto, isso dá certo. Por isso, o melhor é entender o mecanismo da crase, e usar a regência do verbo e do nome em questão (ou seja, se ele requer a preposição "a” ou não) para certificar-se da necessidade ou não da crase.
Pronto, agora você já sabe usar a crase!